Evento da ADPERGS promove debate sobre o período do Regime Militar
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Porto Alegre (RS) – Na última sexta-feira (29/04), uma série de palestras, promovida pela Associação dos Defensores Públicos do Estado do Rio Grande do Sul, foi realizada no Plenarinho da Assembleia Legislativa para analisar a ditadura militar brasileira e os contextos jurídico, político e social dessa época histórica. O encontro teve como palestrantes o ex-Defensor Público-Geral e presidente da Comissão Estadual da Verdade, Carlos Frederico Guazzelli, a Ouvidora-Geral da Defensoria Pública, Denise Dora, e a jornalista mineira Daniela Arbex. O Subdefensor Público-Geral para Assuntos Jurídicos, Tiago Rodrigo dos Santos, também compareceu ao evento para acompanhar o debate.
Coube a Guazzelli proferir a palestra de abertura do seminário. O defensor público apresentou um resumo sobre o trabalho realizado na Comissão Estadual da Verdade. Ele explicou o conceito de justiça de transição, aplicado no direito internacional humanitário a partir da década de 1980, principalmente na América Latina. “Por justiça de transição, entende-se o conjunto de medidas jurídicas e políticas, judiciais e extrajudiciais, que devem ser adotadas por uma sociedade, por um estado, para fazer a passagem de uma situação excepcional de violação de direitos para a normalidade democrática”, relatou. O ex-Defensor Público-Geral do Estado considera que essa visão supera o conceito anterior, que enfocava a transição democrática em algumas leis de anistia e eventuais tribunais. “O conceito que predominava era o de não olhar para trás, virar a página, seguir adiante, não abrir as chagas. Só que traumas, violências, mortes, estupros, desaparecimentos, outras violências aparentemente menores, como exílios forçados, perdas de emprego, demissões, tortura e prisão ilegal não são feridas que se fecham”, disse.
Em seguida, Guazzelli explicou o papel das comissões de verdade. “Não são comissões de natureza policial, inquisitorial ou judicial. Tampouco são grupos de trabalho acadêmicos. A sua função é reconstituir, a partir da memória dos sobreviventes, acontecimentos desse período, normalmente escondidos pela história oficial. Por isso, o trinômio memória, verdade e justiça”, afirmou. O Presidente da Comissão Estadual da Verdade encerrou sua fala em oposição aqueles que criticam a investigação dos crimes cometidos durante o regime militar. “O que ficou para trás, ainda vive. Nós não futricamos o passado. Nós futricamos o presente”, argumentou.
A segunda palestrante do dia foi a Ouvidora-Geral da Defensoria Pública, Denise Dora, que abordou a advocacia em tempos difíceis. De início, ela apresentou um contexto político da época que antecedeu a derrubada do ex-presidente João Goulart. Dora destacou o apoio das instituições jurídicas ao golpe militar e qual foi a estratégia utilizada logo depois de tomado o poder. “Nessa configuração de apoio ao golpe de 1964, a OAB deu sustentação à derrubada do governo e apoio ao regime até 1972. O movimento mais importante que a ditadura fez ao se iniciar foi equipar o judiciário para lidar com os crimes políticos. Foi uma estratégia que procurou justificar o regime de exceção dentro da legalidade”, contou. Na sequência, ela explicou como era o trabalho dos advogados que defendiam as pessoas presas no regime.
De acordo com a Ouvidora-Geral, alguns órgãos do judiciário se acostumaram com o autoritarismo da ditadura. “Eu acho que esse período criou para algumas instituições um certo legado de convivência com o autoritarismo, que ainda está para ser pensado, refletido e modificado. Felizmente, a Defensoria vem depois disso. Mas isso chega aos dias atuais. Há uma geração que cursou direito e trabalhou nessa época. Esse peso que a ditadura tem sobre as instituições, principalmente as do Judiciário, é algo que precisa ser debatido”, opinou.
Por fim, a jornalista Daniela Arbex, autora do livro-reportagem Cova 312, trouxe um relato específico do caso, que aborda a morte do guerrilheiro Milton Soares de Castro, na prisão de Linhares, em Minas Gerais. O corpo dele esteve desaparecido por 35 anos até que uma investigação conduzida pela repórter resultou na descoberta do local onde estavam enterrados os restos mortais do militante político. A série de reportagens publicadas em 2002 deu origem ao livro, que traz relatos de familiares, amigos e companheiros de luta do gaúcho de Santa Maria. “Não é violência de poucos que me assusta. É o silêncio de muitos”, disse Daniela para justificar o seu trabalho. A jornalista já foi vencedora do prêmio Jabuti pela obra Holocausto Brasileiro.
Ricardo Gallarreta/Ascom DPERS