Mecanismos consensuais de solução e prevenção de conflitos familiares foram temas de capacitação do Nudefam
Publicação:

Porto Alegre (RS) – O desenvolvimento de habilidades para superar conflitos familiares mediante o empoderamento de pais como protagonistas da solução pela utilização de técnicas autocompositivas e consensuais marcou o primeiro dia da Capacitação de Facilitadores da Oficina de Parentalidade e Divórcio, promovida pelo Núcleo de Defesa do Direito das Famílias (Nudefam) da Defensoria Pública, realizada no dia 17 de agosto, na Escola da Ajuris, em Porto Alegre.
Na abertura do evento previsto no Projeto de Modernização Institucional (PMI) de qualificação profissional de Defensores e de servidores, o Defensor Público-Geral, Cristiano Vieira Heerdt, caracterizou a mediação e os métodos autocompositivos praticados dentro do Centro de Referência em Mediação e Conciliação como uma quebra de paradigma dentro da Defensoria. “Com as Oficinas de Parentalidade iniciamos uma política institucional de redução da judicialização a fim da pacificação social, inclusive do ambiente familiar”.
O Subdirigente do Nudefam, Daniel de Araujo Bittencourt, falou acerca da intenção de a Defensoria fomentar ações de educação em direitos. “As oficinas representam um importante instrumento para informar o nosso público-alvo sobre aspectos práticos e teóricos do Direito de Família, trabalhado num espaço informal com vista ao empoderamento e a autonomia dos assistidos para a resolução de seu conflitos”. Para a Presidente da Associação dos Defensores Públicos (Adpergs), Juliana Coelho de Lavigne, as Oficinas de Parentalidade refletem uma mudança cultural pela qual são esclarecidos direitos e deveres, e disponibilizadas ferramentas para as famílias superaram a ruptura conjugal e restabelecerem laços afetivos.
Capacitação
Ministrada pela Juíza de Direito-Coordenadora do Centro Judiciário de Solução de Conflitos e Cidadania da Comarca de São Vicente do Estado de São Paulo, Vanessa Aufiero da Rocha, a capacitação buscou sensibilizar para a importância do protagonismo da autonomia pessoal na resolução de conflitos, seja na vida profissional, seja na vida pessoal. Alternando ora conceitos técnico-teóricos, ora vídeos, músicas e poemas, Vanessa conceituou o que são as Oficinas de Parentalidade, particularidades e repercussões.
Segundo ela, embora o credo popular ainda espere viver um amor para toda vida, cerca de 30% dos casamentos no Brasil terminam em divórcio, consagrando o pensamento do sociólogo polonês Zigmunt Bauman em relação à modernidade líquida repleta de sinais confusos, propenso a mudar com rapidez e que levam à fragilidade dos laços humanos, um amor líquido. “O divórcio é um evento difícil na vida das pessoas, perdendo apenas para a morte, pois envolve outros que sequer participaram da decisão”, descreveu.
A respeito dos efeitos do divórcio, conforme Vanessa, estudos apontam que aproximadamente 25% dos filhos estão sujeitos a traumas, em oposição ao paradigma da resiliência esperada entre pais e filhos. “Nesta parcela há fatores determinante para a baixa qualidade do relacionamento parental como queda do padrão de vida e conflitos mal administrados”. “Alguns pais usam os filhos como meros objetos e desconsideram serem estes sujeitos de direitos, sem lembrar que o casal acaba, mas o par parental permanece”.
Para Vanessa, há confusão entre conjugalidade e parentalidade, aprofundada quando do término da relação e com os pais entrando no processo de luto, seguido do choque e da negação, tal como imaginando que tudo voltará a ser como antes. “Depois, vem o estágio da raiva e o fim do relacionamento, ocasionando inveja e a necessidade de imputação de desprezo pelo outro. Adiante, ocorre a fase da depressão, do isolamento, da culpa e do medo para, finalmente, sobrevir à superação e o resgate de poder viver novamente”.
É nessa perceptiva que as Oficinas de Parentalidade contribuem para a superação do conflito, ante a velocidade do processo judicial, demonstrado que condutas violentas retroalimentam a violência entre o casal, justificou Vanessa. “O conflito deve ser analisado de forma holística e interativa por meio de uma reflexão de como estamos nos comportado em relação a nós mesmos e com o outro”. “Como diz José Renato Nalini, o Juiz para julgar o ser humano, precisa ser cada vez mais humano, e transcender a mera aplicação da lei”.
De acordo com Vanessa, a paz na pós-modernidade não é apenas a ausência de conflito e, sim, nas palavras de John Paul Lederach, um ambiente de reciprocidade, cooperação, confiança e apoio mútuo, envolvendo ação e atitude. “A cultura de paz exige a consciência de que esta depende de cada um de nós, de olhar para dentro de si e reconhecer que somos agentes da mudança, respeitando qualquer forma de vida, rejeitando a violência, sendo generoso, além de ter empatia e solidariedade”.
Segundo definiu Ursula Franklin que paz é ausência do medo, o desafio atual é transitar da cultura do litígio para a cultura de paz através da renovação de valores, atitudes, comportamentos e modos de vida, explicou Vanessa. “Nas oficinas, a interdisciplinaridade promove a compreensão tendo em conta a aproximação do mundo jurídico da vida real e do sentimento de justiça, somado, ainda, a educação parental com foco na mudança da mentalidade dos pais em benefício dos filhos”.
Oficinas
Durante as oficinas são distribuídos materiais informativos e educativos para pais e filhos, cujo teor são educação, prevenção e multidiciplinaridade, destacou Vanessa. “Levamos situações de melhorias na qualidade de vida e na conexão entre pais e filhos, empoderando os primeiros para que tenham condições de solucionar diferenças e assunção das responsabilidades no que diz respeito à vida dos segundos”.
Além disso, na Oficina dos Filhos criamos um espaço seguro para os filhos expressarem seus sentimentos e para repassar estratégias para os mesmos superaram dificuldades mediante a realização de atividades lúdicas. “O trabalho feito em grupo, por vezes, em salas mistas ou em salas para pais e para filhos, otimiza tempo e energia, favorecendo a fluidez dos exercícios e a autorreflexão dos participantes”, especificou a Magistrada.
Contudo, ressaltou a necessidade de os instrutores das oficinas serem imparciais, terem postura acolhedora e empática, resiliência e criatividade, necessitando, sobretudo, validar o sentimento do outro, sem jamais dar conselhos pessoais aos participantes. Quanto à alienação parental, falou acerca da diferenciação desta em oposição à síndrome de alienação parental, cuja primeira é o ato propriamente dito enquanto a segunda é uma consequência à medida que a alienação faz parte de um sistema composto por alienador (ingênuo, obcecado e ativo), genitor alienado e filho alienado, totalmente interligados.
Vanessa discorreu também sobre medidas legais para coibir a alienação parental, circunstâncias do estabelecimento da mesma com rejeição direta ou não, as quais os filhos, às vezes, optam por apenas uma, afastando-se do pai ou da mãe sem que algum destes tenha cometido alienação. “Esta prática deve ser combatida, primeiro, como uma mudança de paradigma, sem procurar culpados e inocentes, e depois como conscientização do que vem a ser alienação, guarda compartilhada, mediação e comunicação não violenta”.
No tocante à comunicação não violenta, lembrou ser a mensagem ou palavreado manifestado pelos pais repetido pelos filhos e carregada, caso emitida intempestivamente e agressiva, de prejulgamentos que impedem a percepção da verdadeira realidade. “É importante criar estratégias para atender as necessidades, abstrair julgamentos e dar opções para uma comunicação não violenta que conceda conexão e fluidez de comunicação, servindo para transmissão de valores contributivos de harmonia e de evolução humana”.
Funcionamento
Vanessa também particularizou o funcionamento das Oficinas de Pais, a dinâmica de apresentação e do porque estão ali, além do repasse de informações preliminares de como procederá a atividade. “Enfatizamos que o divórcio não extingue os diversos tipos de família: nuclear, monoparental, recomposta, ampliada, binocluear, homoafetiva e canguru, e unipessoal, antes redefine a sua composição devido às alterações de rotinas, mudanças sociais e perda de amigos e parentes por afinidade”.
“Depois vem o momento de interação, demonstração dos sentimentos que são ensejados pelo litígio do divórcio com enfoque na atenção que os pais devem ter para com as necessidades dos filhos, passagem das consequências do conflito e, por fim, transmitidas as boas práticas parentais com três focos: olhar para si próprio, permitir-se um tempo, refletir sobre o passado para um futuro melhor e libertar-se de ressentimentos”.
Segundo Vanessa, na sequência acontece o segundo estágio, direcionado aos filhos, informando e defendendo o direito destes sentirem e vivenciarem seus sentimentos, sem tomada de partido por pai ou por mãe, trabalhada a importância de não transformá-los em pombos correios e escudos para brigas que não lhe dizem respeito e passado um filme com jovens relatando reflexões negativas sobre o divórcio dos pais.
Comentou ainda situações de como validar os sentimentos dos filhos, dispendendo atenção e cuidado nas palavras e atitudes, assim como situações pelas quais devem ser procurada ajuda de profissionais especializados. “Na terceira parte, emitimos dicas de coparentalidade cooperativa via a apresentação de vídeos com ênfase na reflexão dos limites impostos aos pais e aos filhos, além de cenários da utilização da comunicação não violenta na observação sem julgamentos”.
Por fim, Vanessa abordou as formas de acontecimento de alienação parental, dificuldades de manutenção ou quebra da autoridade parental ocasionadas, por vez, por descumprimentos do exercício legal do direito de um dos cônjuges visitar o filho e por falsas denúncias de abusos sexuais por parte de algum par parental. “Apresentamos vídeos de casos cujos filhos podem rejeitar algum par parental, tencionando questionamentos sobre os pais estarem ou não praticando alienação parental e concluímos com um filme remontando pontos importantes da oficina e damos as opções caso ainda desejem continuar com o conflito”.
Equipe de apoio
Duranta a capacitação, a Psicóloga e Servidora do Poder Judiciário paulista, Cristina Palason Moreira Cotrim, comentou sobre o cuidado de se manter o equilíbrio dentro das oficinas, com as equipes atuando também no acolhimento e no suporte dos usuários e dos instrutores. Já a Psicóloga e Instrutora Externa do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, Fabiana Cristina Aidar da Silva, tratou sobre a atenção para com os que cuidam, instruindo-os a se colocarem na posição de ouvintes e a imprescindibilidade do sigilo dos temas tratados nas oficinas.
Veja mais fotos do evento clicando aqui.
Texto: Vinicius Flores/AscomDPERS