Capacitação do Nudeam debate a atuação da Defensoria Pública na gestão de crises, direito à moradia e pacificação social
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Porto Alegre (RS) – Defensores Públicos participaram na sexta-feira, 23, da atualização técnico-jurídica – Atuação da Defensoria na Gestão de Crises, Direito à Moradia e Pacificação Social – promovida pelo Núcleo de Defesa Agrária e Moradia (Nudeam), no prédio-sede da Instituição, na Capital. O evento faz parte das ações estratégicas do Projeto de Modernização Institucional (PMI) da Defensoria que, dentre suas diretrizes, projeta capacitar Defensores e Servidores como meio de ampliar e qualificar os atendimentos prestados à população.
No início da atividade o Defensor Público-Geral, Cristiano Vieira Heerdt, valorizou a importância de a capacitação viabilizar a troca de informações nas mais variadas áreas do conhecimento. “Em meio à instabilidade política e econômica permanente, cabe à Defensoria Pública estar preparada para os desafios que se apresentam, aproveitando eventos desta natureza para enriquecer a capacidade de gerenciar crises”.
A Dirigente do Nudeam, Defensora Pública Luciana Artus Schneider, justificou o formato do encontro pela perspectiva interdisciplinar com vista à atuação estratégica. “Pelos olhares múltiplos de diferentes profissionais das áreas acadêmica, jurídica e da segurança pública, esperamos perceber e conhecer as boas práticas destinadas à gestão de crises propensas à Defensoria Pública”.
Painéis
Gestão de Crises – Práticas em Grandes Tragédias e Calamidades Públicas foi o primeiro painel, ficando a coordenação da mesa sob a tutela da Subdirigente do Nudeam, Defensora Pública Tatiana Azambuja da Silva. A primeira exposição foi do Defensor Público Andrey Régis de Melo abordando a atuação da Defensoria Pública de Santa Maria no caso da Boate Kiss que vitimou 242 pessoas e deixou pelo menos 623 feridos.
Segundo Andrey, a tragédia da Kiss rompeu o modelo tradicional de atuação institucional da Defensoria, considerando os procedimentos realizados como ajuizamento de ação coletiva para cremações, atendimentos prioritários, call center, mediação para enterros na cidade, ingresso de ação cautelar visando à indisponibilidade de bens dos proprietários da boate, circunstâncias atípicas de resolução de conflitos administrativamente, além da propositura de ação civil pública de indenização para familiares das vítimas e dos sobreviventes.
Na sequência, o Defensor Público do Estado de Minas Gerais, Aylton Rodrigues Magalhães, comentou a respeito da força-tarefa da Defensoria mineira no atendimento do desastre de Mariana – maior tragédia ambiental do Brasil, quando o estouro da Barragem de Fundão, em 2015, matou 19 pessoas e provocou um tsunami de lama afetando 39 cidades de Minas Gerais e do Espírito Santo. “Em princípio, nossa prioridade foi acolher às pessoas, traçar um diagnostico da situação e, depois, planejar ações futuras”, explicou. Conforme ele, “a principal reivindicação dos moradores era o reestabelecimento de suas residências, em outro local, mas com o mesmo formato e a mesma vizinhança”.
Magalhães explicou ainda a importância de a Defensoria Pública atuar como “mobilizadora social”, assim como agir fortemente de maneira extrajudicial como, por exemplo, em Minas, na realocação das famílias e na garantia de tutela antecipada de recursos para as mesmas. Quanto à esfera jurídica, a Defensoria mineira ingressou com ações de alimentos provisionais, de vedação da venda de recursos da Samarco para o exterior e de cautelar preparatória de ação civil pública visando à culpabilidade das controladoras da Samarco, a Vale e a BHP.
Fechando a manha de capacitação, o Defensor Público do Estado do Espírito Santo, Rafael Mello Portella Campos, discorreu em relação à assistência jurídica da Defensoria capixaba aos moradores residentes em cidades margeadas pelo Rio Doce, em consequência da tragédia de Mariana. “Criamos um Grupo Interdefensorial para levar informações e orientações em direitos aos cidadãos das comunidades prejudicadas em seu sustento de vida e assemelhados, realizando, aproximadamente, 800 atendimentos que resultaram, dentre outros, no ajuizamento de 150 ações individuais”.
Para Campos, em situações de crise, a Defensoria precisa ser um “agente mobilizador”, especialmente proporcionando voz e vez à população acometida por prejuízos, combatendo injustiças e violações, e, ao mesmo tempo, fazer valer o seu poder político institucional frente aos causadores de malefícios. “Na seara jurídica, basicamente intervimos na necessidade ao reconhecimento do atingido enquanto sujeito detentor de direitos e garantias específicas, ingressamos com ação civil pública e buscamos incessantemente a transparência nos processos de composição extrajudicial relativos a tragédia de Mariana”.
À tarde, o segundo painel teve os trabalhos conduzidos pela Defensora Pública-Membro do Nudeam, Letícia Ana Basso, e tratou sobre Práticas em Conflitos Fundiários Coletivos. A primeira painelista foi a Juíza Geneci Ribeiro de Campos, responsável pelo Centro Judicial de Solução de Conflitos e Cidadania (Cejusc), com atuação em Porto Alegre. Para Geneci, “o Cejusc foi instado para eliminar a falta de diálogo entre as partes envolvidas no litígio fundiário urbano, construir soluções coletivas e colocar luz num tema cujas políticas públicas se mostram insuficientes e com regras pouco transparentes”.
Geneci Ribeiro de Campos enfatizou também os objetivos do projeto-piloto Cejusc, tendo conta este “dar voz às pessoas em situação de ocupação e ensejar transparência na tomada de decisões, circunstâncias que dão mais confiança aos envolvidos, ocasionando, sobretudo, o esgotamento, pelo diálogo, de todas as possibilidades de avanços e de soluções dos conflitos”.
Na sequência, o Promotor de Justiça Cláudio Ari Pinheiro De Mello, da Promotoria de Habitação e Defesa da Ordem Urbanística, palestrou quanto à resolução consensual de conflitos e, concomitantemente, a garantia da proteção e da promoção de direitos sociais. O direito à moradia é um imenso desafio, uma vez que este é um dos problemas mais graves brasileiros advindos desde a migração do campo para a cidade, considerou Mello.
Cláudio Ari ressaltou também que o Cejusc tem por mérito fazer a mudança do enfoque das ações de posse, pois contrasta com a lógica do direito à propriedade a partir do diálogo exaustivo e comunicativo, trabalhando com uma visão panorâmica do conflito e na linha tênue da convulsão social. “A formação de cooperativas familiares tem se mostrado uma boa alternativa, instigada pelo Cejusc, cujos resultados têm ampliado o debate visando à resolução de conflitos”.
Posteriormente, o Major da Brigada Militar (BM) Dagoberto Albuquerque da Costa, do 20º Batalhão de Polícia Militar, relatou os procedimentos adotados pela sua guarnição nas desocupações em Porto Alegre, os quais podem ser replicados nas demais unidades da BM. “De início fizemos um levantamento do maior número de informações possíveis sobre a ocupação, com diversas visitas in loco. Depois planejamos a operação e a logística, tal como oficiamos e convidamos atores como Corpo de Bombeiros, CEEE, EPTC, SAMU, Conselho Tutelar, entre outros, em busca da redução de danos durante o cumprimento do mandado de reintegração de posse”, justificou.
“A BM atua com formação técnica e, hoje, age muito além de suas funções constitucionais, tendo em conta ser a instituição pública mais próxima da comunidade e, por consequência, de suas mazelas sociais”, completou Costa. Segundo ele, o planejamento das ações de reintegração de posse, aliado à interlocução interistitucional são as melhores formas de evitar conflitos e animosidades, especialmente pela insuficiência de informações a que estão submetidos os moradores das ocupações.
Práticas Voltadas à Execução Penal encerrou o encontro de atualização técnico-jurídica, e teve a mesa composta pela Dirigente do Nudeam, Luciana Artus Schneider e pelos painelistas Subdefensor Público-Geral para Assuntos Jurídicos, Tiago Rodrigo dos Santos, e as Defensoras Públicas Isabel Rodrigues Wexel e Juliana Jobim do Amaral. O primeiro falou sobre o projeto Defensoria no Sistema Prisional (Disp), seguido por Defensoria com Amor, projeto de Wexel e, por último, o Defensoria Sem Fronteiras, força-tarefa a qual Jobim integrou.
O Disp, de acordo com Tiago, baseou-se no formato do Defensoria Sem Fronteiras do Colégio Nacional de Defensores Públicos-Gerais e realizará, num período de 12 meses, esforço concentrado nos presídios gaúchos, varas criminais e varas de execução criminal objetivando diagnosticar possíveis violações à dignidade da pessoa humana, assegurar o cumprimento da Constituição Federal e da Lei de Execuções Penais e contribuir para a diminuição da crise da segurança pública. “Na primeira edição, em Erechim, com um grupo de Defensores e de Servidores, foram feitas 630 análises de Processos de Execução Criminal (PECs) e 441 atendimentos individuais”, ressaltou.
Isabel Rodrigues Wexel compartilhou a experiência de seu projeto Defensoria com Amor, executado na Comarca de São Borja, pelo qual sua equipe de trabalho reúne mães de apenados para prestar informações e educação em direitos sobre a situação de seus filhos. “Percebia que os atendimentos à mães se repetiam. Assim, idealizei uma forma de atendê-las, mesmo fora de horário comercial, para que as mães ao visitarem seus filhos replicassem as orientações jurídicas, ocasionando mais tranquilidade aos presos sobre suas situações e promovendo um atendimento mais humanizado”.
Já Juliana Jobim do Amaral comentou sua participação nos mutirões do Defensoria Sem Fronteiras nos Estados do Amazonas e no Rio Grande do Norte, em estabelecimentos prisionais dominados por facções e palco de centenas de mortes. De acordo com Juliana, no Amazonas, no Complexo Penitenciário Anísio Jobim, o Compaj, administrado pela iniciativa privada, houve 56 mortes decorridas, em especial, pela guerra de facções rivais, superlotação e deficiência de assistência jurídica gratuita.
Com relação à força-tarefa em Natal, na Penitenciária Estadual de Alcaçuz e no Presídio Estadual Rogério Coutinho Madruga, Juliana salientou o descontrole da política de execução criminal quanto aos PECs. Sobre os resultados, revelou que em Manaus foram atendidos 980 presos, encaminhados 1500 pedidos de progressão de regime e 29 livramentos condicionais. “Cerca de 25% dos presos não precisavam estar aprisionados”, referiu. Já em Natal, foram 1011 atendimentos, 126 pedidos de progressão de regime e 79 livramentos condições. “Aproximadamente 20% da massa carcerária não necessitava estar presa”, finalizou.
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Capacitação
A capacitação do Nudeam foi coordenada pelo Centro de Estudos, Capacitação e Aperfeiçoamento (Cecadep) da Defensoria Pública, e contou com as parcerias dos Núcleos Especializados de Defesa em Execução Penal (Nudep) e Ambiental (Nudam), além da Associação dos Defensores Públicos do Estado (Adpergs).
Texto: Vinicius Flores/AscomDPERS
Defensoria Pública do RS
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