A Defensoria Pública e a Poesia
Publicação:

Porto Alegre (RS) - Além da lúcida visão do jurista italiano Capeletti, destaca-se a prática do direito daquele que antes atuou como Juiz na França, Ivo Kermartin. Separar a Justiça do poder arbitrário e das circunstâncias do mais valia, é quase um ato de santidade. Por isso, Ivo de Kermartin é conhecido por Santo Ivo e Protetor da Defensoria Pública.
Mas o que fez esta poeta ingressar na Defensoria Pública?
A Poesia, na linguagem, é uma transferência de sentido. Assim surgem as figuras de linguagem, principalmente as metáforas. Porém, há a poesia concreta dos atos de nossa existência. E nenhuma poesia escrita suplantará a beleza de provermos uma sociedade mais justa.
O acesso do pobre à Justiça é, portanto, um ato concreto de Poesia.
A poeta não quer - e não deve - exigir para si uma Justiça pessoal, mas coletiva. A poeta não quer - e não deve - usufruir dos bens da comunidade, dos quais o acesso do pobres à Justiça é um direito inaliável.
Nem todos necessitam ser escritores de poesia, mas todos somos convocados a vivermos poeticamente. E que isso significa? Um compromisso de responsabilidade não só com nossos semelhantes, mas com todo o universo. Quando entendermos, caros colegas, que ser Defensor e Defensora Públicos é mais do que um oficio, mas uma vocação, estaremos fazendo poesia.
E é poesia o nosso compromisso não apenas com a demanda jurídica, com a causa em litígio, mas com uma sociedade mais justa, com o direito à cidadania para todos. Além do ingresso aos tribunais, devemos lutar para o ingresso dos menos favorecidos nos bens da sociedade, entre os quais se destacam: saúde, moradia, educação, liberdade de expressão, segurança e salário digno. A Justiça se tornará plena quando a sociedade for uma comunidade, contra qualquer ideologia da exclusão.
Assim, podemos dizer que foi da mais alta poesia a nossa Carta Magna finalmente incorporar a Defensoria Pública em seus dispositivos constitucionais, sendo o mais belo poema social a redação do texto do Estatuto dos Direitos da Criança e do Adolescente pela sociedade civil organizada.
E quando um jovem, com menos de 23 anos, sem internet e outros meios avançados de comunicação, se posicionou com bravura contra uma das maiores injustiças do nosso país, a escravidão, escrevendo o Navio Negreiro, ele estava exercendo a vocação de Defensor Público. E seu nome o tenho no meu coração: Antônio de Castro Alves.
Torno a dizer: ser Defensor é vocação. Vocação de fraternidade e liberdade.
Vida que por mim transita,
perdoa minha imobilidade.
A mão que não alcança, o pé
que não entra, o peso da casa,
dos cômodos, o estreito da roupa.
O peso da nostalgia, os granizos
sobre a lavoura da fé e da justiça
tarda. Perdoa querer ficar onde
queres prosseguir, concluir
onde queres abrir e com sólidas
barreiras, resistir a teu fluxo.
E opor a razão ao engasgo
que estremece o sonho e opor
a alma ao corpo que ali germina.
E mais perdoa onde és caminho
com teus veios, opor-me terra
endurecida; onde assopras sabor,
opor-me espinhos. E onde és,
teimar em reunir-te a meus limites,
opondo a duração à passante dádiva.